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CRÉDITO RURAL: COMO A PRORROGAÇÃO PODE SALVAR SUA PROPRIEDADE

28/05/2025 - Por Luiz Eduardo Almeida


A atividade rural é, sem dúvida, um dos pilares econômicos do Brasil e seu sucesso reflete diretamente na saúde financeira do país e, se não bastasse a relevância econômica, a atividade rural exerce papel imprescindível sob a ótica de fornecimento de alimentos à população.

Contudo, devido às diversas intempéries que interferem diretamente no setor, muitos produtores rurais acabam enfrentando graves e imprevistas dificuldades financeiras, colocando em risco suas propriedades e investimentos.

Nesse contexto, entender corretamente o crédito rural e seus mecanismos de prorrogação disponíveis ao produtor é fundamental não apenas para assegurar a continuidade das atividades agrícolas, mas também para preservar o patrimônio rural de forma estratégica.

Afinal, o que exatamente é o Crédito Rural? 

Em suma, trata-se de um instrumento da política agrícola do Brasil – para muitos, o principal instrumento – substancializado em empréstimos, financiamentos, abertura de crédito e outros mecanismos destinados ao atendimento das necessidades da produção agrícola, visando o fortalecimento do agronegócio nacional. 

É válido apontar que, dada a importância do setor, a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 187, corrobora se tratar de política pública essencial promover condições favoráveis ao crédito agrícola, visando assegurar a atividade econômica e o abastecimento alimentar, reforçando o caráter estratégico deste benefício não apenas ao produtor, mas também a toda a sociedade.

Desafios envolvendo a produção rural

Ocorre que, no cotidiano do produtor rural, fatores climáticos desfavoráveis, como estiagens prolongadas ou chuvas intensas, são constantes ameaças ao desenvolvimento das atividades, podendo resultar em perdas significativas de produção e rentabilidade. 

Além das referidas intempéries, há também instabilidades mercadológicas, a exemplo da variação dos preços de commodities agrícolas, o que representa incerteza adicional que afeta diretamente a capacidade financeira do produtor de honrar seus compromissos junto às instituições financeiras.

Em outras palavras, os produtores podem enfrentar diversas circunstâncias imprevisíveis, as quais podem representar verdadeiro óbice à sua produção e venda desta ou, ainda, situação mercadológica tão desfavorável a ponto de não ser financeiramente viável a comercialização imediata dos produtos.

Exatamente em razão dessas instabilidades, em regra caracterizada por verdadeiros fortuitos, é que a lei prevê instrumentos como a prorrogação dos contratos de crédito rural com o intuito de preservar a viabilidade da produção.


O propósito do Crédito Rural 

A fim de esclarecer a aplicabilidade do crédito rural, válido se faz a análise da sua fundamentação legal, que, de forma bastante clara, expõe suas finalidades.

O tema é minuciosamente desenvolvido pela legislação, que dispõe ser objetivo do crédito rural:

Artigo 3º da Lei n.º 4.829/1965:
  1. estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;
  2. favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;
  3. possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; 
  4. incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.

Buscando dar maior didaticidade ao assunto, Arnaldo Rizzardo assim sintetiza os objetivos do crédito rural:

“[...] é possível esquematizar que o crédito rural abrange as seguintes linhas, que se resumem em fomentar as operações rurais:
  1. Despesas de custeio agrícola, quando destinado o crédito a financiar as despesas exigidas para o cultivo de produtos agrícolas e para a criação pecuária. São objeto de financiamento as despesas específicas para a atividade ligada à produção, e não para a manutenção ou o sustento do agricultor. Abrangem o preparo da terra, o cultivo, o beneficiamento primário da produção, o armazenamento, a colheita, o transporte, a compra de insumos (sementes, mudas, medicamentos, sêmen, adubos ou fertilizantes e remédios), e de máquinas, o pagamento de mão de obra rural, de tratores e veículos de transporte da produção, e de animais.
  2. Formação de capital fixo necessário a investimentos em momentos de necessidades básicas, como a formação de pastagens, o florestamento, o reflorestamento, as construções de prédios rurais, as reformas de benfeitorias, a eletrificação rural, as instalações e construções de galpões, as obras de irrigação.
  3. Comercialização dos produtos que são colhidos nas safras, e abrangendo o transporte, o carregamento, o seguro, a preservação e prevenção contra pragas e intempéries, os impostos, o armazenamento e a colocação em silos.

Depreende-se que o crédito rural tem aplicação bastante ampla, não se destinando única e estritamente àqueles casos onde já existe um contratempo concretamente verificável, mas também ao fornecimento de meios para se estimular a produção e torná-la mais interessante ao produtor, a exemplo do que se verifica disponibilização de crédito para financiamentos.


Prorrogação do Crédito Rural: direito do produtor rural

Diante das diversas interferências negativas e fortuitas que envolvem no agronegócio, o produtor rural necessita com frequência de alternativas jurídicas concretas que assegurem a continuidade e viabilidade financeira de suas atividades.

Nesse sentido, visando regulamentar a matéria, o Manual de Crédito Rural do Banco Central do Brasil dispõe ser possível o alongamento da dívida sempre que se observar (i) a dificuldade de comercialização dos produtos, (ii) frustração da safra por fatores adversos ou (iii) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

É fundamental destacar que a prorrogação dos contratos de crédito rural não se trata de favor ou benefício concedido por benevolência das instituições financeiras: ao contrário, configura-se como verdadeiro direito potestativo do produtor rural, legalmente previstos e amparados por vasta jurisprudência, inclusive entendimento este sumulado pelo Tribunal Superior de Justiça. 

A súmula ressalta de forma inequívoca que as instituições financeiras não podem discricionariamente negar esses direitos quando preenchidos os requisitos legais, isto é, sua atuação se limita à verificação do preenchimento dos requisitos legais e não à conveniência do atendimento da solicitação, a qual, frisa-se, é amparada por lei.

Valendo-se desse entendimento, interessante é observar o posicionamento dos Tribunais de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA CAUTELAR EM CÁRATER ANTECEDENTE - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CRÉDITO RURAL - POSSIBILIDADE - ALONGAMENTO DE DÍVIDA – DIREITO DO DEVEDOR - SÚMULA 298 DO STJ - JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DEMONSTRADOS – RECURSO DESPROVIDO. 1. A antecipação da tutela depende do cumprimento dos requisitos previstos no caput do art . 300 do CPC, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Nos termos da súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas direito do devedor nos termos da lei, quando preenchidos os requisitos.
(TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10187277020248110000, Relator.: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 05/11/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/11/2024)

APELAÇÃO – Embargos de devedor – Nota de Crédito Rural – Alongamento que constitui direito do devedor, nos termos da lei e Súmula 298 do STJ – Viabilidade da prorrogação – Requisitos do Manual de Crédito Rural e Resolução Nº 4.755/2019, do Banco Central preenchidos – Pedido de prorrogação formulado antes do vencimento ordinário da dívida – Indicação e comprovação dos motivos da necessidade de prorrogação – Extinção da execução. Recurso provido.
(TJ-SP - Apelação Cível: 1001624-29 .2022.8.26.0315 Laranjal Paulista, Relator.: Eduardo Velho, Data de Julgamento: 23/05/2024, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/05/2024)

Em atenção ao exposto, tanto legislação vigente quanto ao entendimento jurisprudencial, pode-se depreender que o alongamento da dívida se trata de verdadeiro direito do produtor rural sempre que preenchido os requisitos legais, não se permitindo a recusa infundada da instituição financeira.

Conclusão

Fica evidente que o produtor rural dispõe de mecanismos legais sólidos para resguardar suas atividades, em especial quando diante de adversidades ordinárias e extraordinárias.

A assessoria jurídica especializada é indispensável para garantir o correto exercício desses direitos, proporcionando a segurança da produção e preservação patrimonial. 

Em caso de dúvida ou dificuldade envolvendo crédito rural, recomenda-se buscar orientação profissional para assegurar a plenitude dos direitos, lembrando-se sempre que a prorrogação da dívida é um direito do produtor e não uma benevolência da instituição financeira.

1.Rizzardo, Arnaldo – Direito do Agronegócio / Arnaldo Rizzardo. – 8. ed., rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2024. 2. https://www3.bcb.gov.br/mcr  3. Súmula 298 do STJ: O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.
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